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Modelagem Hidráulica de Sistemas de Abastecimento de Água

Primeiramente, é importante definir: o que é Modelagem Hidráulica?

Para começar e abrir nossa mente, é interessante trazer a definição da American Society of Civil Engineers [1], segundo a qual a modelagem hidráulica é uma forma de modelagem física utilizado para analisar o projeto e operação de sistemas de engenharia hidráulica. Esta definição faz relembrar que a Modelagem Hidráulica é, na realidade, um fazer antigo da engenharia, e não está só ligado a ferramentas computacionais, sendo também utilizada nos tanques de prova (Figura 1), onde são realizados modelos em escala reduzida para reproduzir a vazão e as características do escoamento. Tais experimento podem trazer suporte à tomada de decisão, como por exemplo para analisar os impactos de uma barragem ou definir o melhor posicionamento de turbinas em uma hidrelétrica.

                Figura 1: Modelo Hidráulico de barragem em tanque de provas (ASCE, 2000)

Contudo, quando atualmente falamos em Modelagem Hidráulica de Sistemas de Abastecimento de Água (SAA), trata-se, em geral, da simulação, com uso de ferramentas computacionais, do comportamento de um SAA. Nos modelos hidráulicos são definidos diâmetros das tubulações e seu traçado, elevações nos pontos, características operacionais de bombas, reservatórios e válvulas, dentre outros elementos, a partir dos quais, com uso equações hidráulicas, calcula-se, por exemplo, a vazão e a perda de carga nas tubulações, e a pressão de água nos nós do sistema.

Assim, a modelagem hidráulica é uma ferramenta essencial na simulação do comportamento hidráulico de um sistema de abastecimento de água (SAA), a qual tem como objetivo verificar as condições hidráulicas da rede, tais como: vazão, velocidade de escoamento, perdas de carga, pressões estáticas. Com isso, pode-se identificar os pontos críticos do sistema, para assim simular cenários de intervenções que promovam melhoria operacional, tais como reforços na rede, instalação de Válvulas Redutoras de Pressão (VRPs), boosters ou a realização de projetos de setorização.

Os modelos permitem que diferentes cenários de intervenção sejam analisados, favorecendo a tomada de decisão inteligente. Além disso, o modelo hidráulico, integrado ao cadastro GIS de ativos e economias, pode contribuir para identificar regiões com problema de perdas físicas ou aparentes, sendo a modelagem hidráulica uma importante aliada das estratégias de redução de perdas e promoção da eficiência operacional, contribuindo para identificar adutoras com perdas de carga elevada, eficiência e consumo energético das elevatórias, dentre outros.

Contudo, deve-se atentar que a qualidade dos resultados obtidos a partir do modelo dependerá significativamente dos dados de entrada do sistema, uma vez que o modelo deve ser uma representação fidedigna das características físicas.

Para tal, são necessárias que as informações de traçado, material e diâmetro das tubulações contidas no cadastro da rede sejam condizentes com a realidade. Um dos grandes desafios encontrados na prática da modelagem são cadastros pouco precisos ou, em alguns casos, a ausência de cadastro da rede, o que, infelizmente, ainda é uma realidade brasileira.

Além disso, informações de topografia do terreno, características operacionais de bombas e reservatórios, e dados de demanda de consumo são outras importantes informações para que se tenha um bom modelo.

Por esta razão, é fundamental que o modelo tenha como base dados obtidos a partir do levantamento de campo e que depois seja calibrado. Para realizar a calibração do modelo é necessário comparar os resultados do modelo com dados obtidos em campo. Caso não haja medidores instalados no Sistema de Abastecimento de Água (vazões e pressões) pode-se lançar mão da utilização de medidores portáteis que devem ser instalados temporariamente em pontos estratégicos do sistema para aquisição de dados que norteiem a calibração do sistema. Podem ser utilizados data loggers, equipamentos de telemetria com sistema SCADA ou outras soluções de IoT conectadas a um banco de dados.

A calibração tem como objetivo ajustar parâmetros do sistema cujos valores são fontes de incertezas (rugosidade das tubulações, demandas nos nós, etc.) de tal forma que os desvios entre os dados simulados e observados em campo sejam minimizados. A calibração deve ser realizada com critérios preestabelecidos pois seu uso indevido pode levar a modelos hidráulicos irreais.

A modelagem hidráulica pode ser usada para o estudo e projeto de desenvolvimento de redes novas, permitindo que, com muita agilidade e assertividade, sejam simulados diferentes cenários, como por exemplo, diferentes alternativas de traçado e diâmetros de rede, crescimento de demanda de consumo ou diferentes configurações de bombas e reservatórios. Mais do que uma ferramenta de projeto, a modelagem hidráulica é uma grande aliada da operação, servindo como suporte de engenharia e contribuindo para o planejamento de ações emergenciais e o planejamento e renovação de redes.

A figura a seguir resume as diferentes aplicações possíveis da modelagem hidráulica nas diferentes etapas do ciclo de vida do ativo.

Fonte: Wagner Carvalho (2021)

Para isso podem ser utilizados softwares livres ou soluções proprietárias de fornecedores como Bentley Systems e Autodesk/Innovyse.

A SABESP, por exemplo, durante os estudos do Sistema São Lourenço utilizou a modelagem hidráulica com WATERGEMs da Bentley [2] para analisar 100 diferentes cenários de concepção do novo sistema e diferentes formas de integrá-lo ao Sistema Integrado Metropolitano, o que foi feito posteriormente com a construção de mais de 100 km de adutoras. Já como um exemplo de modelagem hidráulica aplicada para a redução de perdas, pode-se citar o caso da SABESP em Diadema [3] que, com a Modelagem Hidráulica integrada à micromedição e sensores precisos, reduziu as perdas de água de 41% para 32%, de maneira que os investimentos realizados serão pagos em 14 anos graças à redução de perdas. Além disso, as melhorias feitas aumentaram a resiliência do sistema e diminuíram casos de falta d’água por falha no sistema, o que gera importantes ganhos intangíveis como o bem-estar da população e a melhor percepção dos usuários frente ao serviço prestado.

Outro interessante case da implantação da modelagem para a expansão dos sistemas é o Master Plan da Prolagos, subsidiária da AEGEA que é responsável por fornecer serviços de água e esgoto em 5 municípios da região dos lagos (RJ). Dentre os desafios da região, tem-se uma grande população flutuante: durante a temporada turística, a população oscila de 400.000 a quase 2 milhões de pessoas. Com base nos resultados da modelagem WaterGEMS, a Prolagos selecionou um plano de expansão que reduziu o consumo de energia em 59% e gerou uma economia anual de custos de R$ 17 milhões. O projeto melhorou a eficiência da rede e aumentou o índice de abastecimento de água de 91% para 98%.

Vale ainda destacar a experiência da Águas de Joinvile [4], vencedora do prêmio Infrawards 2021, onde a modelagem hidráulica contribuiu para planejar intervenção visando minimizar os efeitos da estiagem no manancial mais frágil de Joinville, o Piraí. A melhor solução encontrada, após análise de alternativas e criação de modelos digitais, foi a opção que apresentou custo próximo de zero: a utilização da infraestrutura já existente, com realização de interligações entre redes de macrodistribuição, manobras entre reservatórios e adequações operacionais.

Os estudos desenvolvidos pela Águas de Joinville evitaram o investimento em uma solução inicial de R$ 4,5 milhões e o custo de R$ 25 mil por mês de operação de uma nova motobomba (booster). Além disso, otimizaram a motobomba Florianópolis, localizada na zona sul, gerando uma economia de R$ 360 mil por ano e melhorando o abastecimento da cidade como um todo. A melhoria na qualidade dos serviços também foi alcançada, reduzindo em aproximadamente 90% as reclamações de falta de água na região.

Apesar do WaterGEMs ser a solução proprietária atualmente mais utilizada no mercado, deve-se dizer também que há a possibilidade do uso de ferramentas abertas que podem ser integradas a partir do desenvolvimento de da integração do banco de dados utilizando PostGreSQL, Epanet, Giswater e QGIS. A figura a seguir resume a função de cada um dos softwares utilizados.

Sistemas de código aberto para banco de dados, GIS e modelagem hidráulica

Fonte: Marcelo Porém (2023)

Por fim, destaca-se que para que modelo hidráulico possa servir para suporte à tomada de decisão e planejamento ao longo do ciclo de vida dos ativos, é necessário que este esteja integrado às bases de dados de cadastro de economias e ativos, assim como deve-se ter a padronização de processos e informações. Assim sendo, a integração da modelagem hidráulica ao BIM é de grande valia para potencializar seus benefícios.

Recomenda-se assistir e conhecer o trabalho da AEGEA que foi finalista da premiação Going Digital Awards in Infrastructure 2022, na categoria Levantamento e Monitoramento [5]. A empresa apresentou ao mundo o maior Mapa 3D da Infraestrutura de Saneamento do Brasil. Por meio do Programa InfraInteligente, foi possível digitalizar as instalações de saneamento do Estado do Rio de Janeiro. O projeto reúne 33 mil ativos físicos, 1.383 plantas, 158 mil fotos e 257 mil avaliações visuais, atingindo 27 municípios, e é uma grande referência de implementação de BIM no setor do saneamento.

 

Sobre o autor

Vitor Chaves é Engenheiro e Mestre em Engenharia Hidráulica e Ambiental, BIM Manager - Master Internacional em BIM Management para Infraestruturas, Engenharia Civil e GIS pela ZIGURAT. Atua como BIM Manager na Vitor Chaves Engenharia e Treinamento, além de ser professor ZIGURAT no Curso BIM Saneamento e no Master Engenharia Civil e GIS.

 

Referências

[1] ASCE – American Society of Civil Engineers; Hydraulic modeling: concepts and practice. 2000

[2] Ricardo Guerra, Post Linkedin. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/solu%C3%A7%C3%B5es-bentley-ajudam-sabesp-em-um-dos-maiores-projetos-guerra/

[3] Bentley, OpenFlows WaterGEMS Saves Sabesp BRL 365,000 per Month on Diadema’s Water Treated Volume Costs. Disponível em: https://matrix.co.nz/assets/Bentley-Case-Studies/d0c83ecee8/CS_Sabesp_LTR_EN_HR.pdf

[4] Águas de Joinvilee. Disponível em: https://www.aguasdejoinville.com.br/?noticia=companhia-aguas-de-joinville-conquista-o-primeiro-lugar-em-premiacao-internacional

[5] AEGEA, Going Digital Awards in Infrastructure 2022, Disponível em: https://players.brightcove.net/5209582030001/t50zJOlZh_default/index.html?videoId=6314283109112

Autor

Vitor Tonzar Chaves

MSc. Especialista em Saneamento | BIM Manager na Vitor Chaves Engenharia e Treinamentos

Engenheiro e Mestre em Engenharia Hidráulica e Ambiental, BIM Manager - Master Internacional em BIM Management para Infraestruturas, Engenharia Civil e GIS pela ZIGURAT. Atua como BIM Manager na Vitor Chaves Engenharia e Treinamento, além de ser professor na ZIGURAT.